Durante anos, o termo Soulslike foi sinônimo de jogos implacáveis. Cenários opressores, mortes punitivas, narrativas crípticas e combates milimetricamente exigentes definiram o gênero criado (ou ao menos refinado) pela FromSoftware com Demon’s Souls, Dark Souls e, depois, Bloodborne e Sekiro. Jogar um Soulslike era um ritual reservado a jogadores dispostos a encarar o fracasso repetidamente.
Mas o tempo passou — e o gênero evoluiu.
Hoje, vemos surgir o que muitos já chamam de Soulslike 2.0: uma nova geração de jogos inspirados nessa fórmula, mas com mudanças estratégicas. Eles continuam difíceis, sim. Ainda exigem paciência, leitura de padrões e decisões cirúrgicas em combate. Mas agora, são também mais acessíveis, mais narrativos, mais convidativos.
E essa mudança não é um desvio de identidade. É uma evolução natural.
A base clássica: o que define um Soulslike?
Antes de entender o que mudou, é importante reconhecer os pilares que definem o gênero:
- Combate focado em resistência, esquiva, precisão e cadência
- Sistema de progressão baseado em risco (perda de experiência ao morrer, por exemplo)
- Level design interconectado e punitivo
- Narrativa fragmentada e indireta
- Foco na solidão e na dificuldade como linguagem
Esse conjunto gerou títulos que não apenas formaram uma legião de fãs, mas também um estilo de jogo reconhecível, com linguagem própria.
Mas o tempo mostrou que havia espaço para adaptar esses elementos sem destruir sua essência.

A virada: quando o Soulslike começou a mudar?
A virada começou com Elden Ring (2022). O título manteve tudo o que os fãs adoravam — dificuldade, exploração e combate refinado —, mas fez duas mudanças cruciais:
- Introduziu mundo aberto com liberdade total, permitindo que o jogador contornasse obstáculos e voltasse mais forte depois.
- Ofereceu ferramentas auxiliares, como o cavalo (Torrent), summons espirituais e maior variedade de builds desde o início.
Essas decisões mudaram a relação com a dificuldade. Agora, em vez de ser uma parede, o desafio se tornava uma escolha: como você quer enfrentá-lo?
A partir daí, o mercado começou a responder com novas abordagens.
O que define o Soulslike 2.0?
O termo Soulslike 2.0 não é oficial, mas vem sendo usado por críticos e pela comunidade para descrever essa nova geração de jogos que:
- Mantêm a essência do combate técnico e da atmosfera sombria
- Adicionam acessibilidade e opções de abordagem
- Apostam em narrativas mais diretas e emocionais
- Incorporam qualidade de vida (checkpoints mais generosos, tutoriais, mapas funcionais)
- Tornam o fracasso menos punitivo e mais recompensador
O resultado é uma porta de entrada mais amigável para novos jogadores, sem alienar os veteranos.
Exemplos que definem o Soulslike 2.0
A nova geração de jogos Soulslike mostra que é possível respeitar a base da FromSoftware sem repetir a fórmula à risca. Os títulos a seguir são prova de que a evolução é real — e cada um traz à mesa uma interpretação própria do que significa ser desafiador em 2025.
Lies of P
Um dos maiores representantes do Soulslike moderno, Lies of P transporta o jogador para uma versão sombria da história de Pinóquio, com estética vitoriana e combate rígido inspirado diretamente em Bloodborne. Mas ao contrário do jogo da FromSoftware, Lies of P inclui:
- Sistema de customização de armas mais acessível
- Missões secundárias bem estruturadas e com objetivos claros
- Interface limpa e tutorial detalhado para novatos no gênero
É difícil, mas convida o jogador a experimentar e entender as mecânicas, sem deixá-lo no escuro.
Wo Long: Fallen Dynasty
Criado pelo mesmo estúdio de Nioh, Wo Long entrega um combate frenético baseado em parry (defesa precisa), com agilidade mais próxima de um hack & slash do que de um Souls tradicional. Seus destaques incluem:
- História mais direta, com narrativa central forte
- Sistema de moral que afeta a dificuldade dos inimigos por área
- Progressão mais rápida e checkpoints bem distribuídos
Apesar de ser brutal, Wo Long dá ao jogador ferramentas para se recuperar com mais rapidez, incentivando o aprendizado e não a frustração.
Steelrising
Ambientado em uma Paris alternativa do século XVIII, Steelrising coloca o jogador no controle de uma autômata durante uma revolução mecânica. O combate é mais acessível, e o jogo conta com:
- Modo de assistência que permite ajustar dano e recuperação
- Navegação clara com mapas funcionais
- Árvore de habilidades simples e bem explicada
É ideal para quem quer a sensação de um Soulslike, mas com mais controle sobre a experiência.
Thymesia
Um jogo menor, mas com combate preciso e foco total na ação. Em Thymesia, o jogador assume o papel de um alquimista guerreiro, com foco em agilidade, combos e domínio de ritmo. Apesar da curta duração, é:
- Direto e desafiador, mas com tutoriais eficientes
- Menos punitivo em sistema de morte
- Perfeito para quem quer testar o gênero sem entrar em um jogo de 60 horas
O futuro: Black Myth, Enotria e a consolidação do subgênero
Os próximos anos devem consolidar o termo Soulslike 2.0. Jogos aguardados como Black Myth: Wukong e Enotria: The Last Song mostram uma clara mudança de tom: visuais exuberantes, combate técnico, mas envolto em narrativa, acessibilidade e identidade própria.
Além disso, a FromSoftware também está mudando. Elden Ring já foi um divisor de águas. E agora, com a expansão Shadow of the Erdtree, o estúdio continua refinando sua fórmula para equilibrar desafio com liberdade.
O que antes era nicho, agora é padrão. E os jogos Soulslike já não vivem mais sob a sombra do “só para quem gosta de sofrer”.
Conclusão: dificuldade não morreu — ela evoluiu
Durante muito tempo, dificuldade nos jogos foi tratada como um valor absoluto. Quanto mais punitivo, mais “respeitado” o jogo era. Os Soulslike originais reforçaram isso. Mas a ascensão do chamado Soulslike 2.0 mostra que desafio pode — e deve — vir acompanhado de boas escolhas de design.
Jogos como Lies of P, Wo Long e Steelrising provam que é possível manter o combate exigente, os chefes marcantes e o peso de cada morte, ao mesmo tempo em que se oferece ao jogador mais controle, mais clareza e mais recursos para aprender.
Esse equilíbrio entre respeito ao tempo do jogador e preservação do desafio representa uma nova maturidade do gênero. Os jogos deixam de ser testes de paciência para se tornarem experiências que formam jogadores, em vez de afastá-los.
O Soulslike 2.0 não é mais sobre sobreviver à experiência. É sobre entendê-la, dominá-la e sair transformado dela.
E esse talvez seja o verdadeiro espírito da dificuldade nos games: não apenas punir, mas ensinar.